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Romeu & Julieta
de William Shakespeare
Tradução Onestaldo de Pennaforte
Concepção Artística e Direcção Gabriel Villela
Grupo Galpão, Belo Horizonte (Brasil)

Romeu & Julieta, de William Shakespeare, é o espectáculo do Grupo Galpão, de Belo Horizonte, Brasil, que a Cena Lusófona e o FITEI propuseram para 2001.

Os espectáculos do Porto iniciaram uma digressão que passou por Braga e Coimbra.

O Galpão, companhia de Minas Gerais notabilizou-se na Europa, na Grã Bretanha em particular, com a criação de "Romeu e Julieta", num magnífico espectáculo de rua – normalmente jardins e espaços de rua com uma certa unidade "cenográfica". Convidados recentes do National Theatre de Londres, é uma companhia que utiliza nos seus espectáculos técnicas corporais sofisticadas, em particular a acrobacia.

A montagem da tragédia de Shakespeare, foi um marco na carreira do grupo. O encontro com Gabriel Villela, responsável pela concepção geral do espectáculo, significou a ousadia de fazer um clássico na rua. Esta actualização da mais conhecida história de amor da humanidade, transpõe a tragédia de dois jovens apaixonados para o contexto da cultura popular brasileira, evocada por elementos presentes no cenário, nos adereços, na música e na figura do narrador, que rege toda a peça com uma linguagem inspirada em Guimarães Rosa e no sertão mineiro. O texto original do espectáculo mantém-se integralmente fiel à universalidade dos versos shakespeareanos.

"Romeu e Julieta" é a tragédia do amor, da liberdade e da morte, conduzida pela velocidade própria da juventude dos amantes. Essa condição expressa-se com a adopção de técnicas de circo, somando-se o conhecimento das habilidades de picadeiro do Grupo Galpão com as formas populares de representação de circo-teatro trazidas por Gabriel Villela. Através delas, construiu-se a perigosa precipitação da história e foi elaborada em cena a ambivalência da angústia e do prazer, da energia amorosa, da agressão e da paixão, concentrados na força do texto de Shakespeare.

Este espectáculos foi apresentado primeiramente no Teatro Municipal Rivoli, no Porto, a 5 e 6 de Junho (perante 740 espectadores), em Braga no Largo Dr. António Losa, a 9 de Junho (cerca de 630 espectadores) e em Coimbra, na Praça do Comércio, a 13 e 14 de Junho (cerca de 2150 espectadores).

 

"O amor ri de muralhas e barreiras"
(Romeu, II, 2)
Romeu e Julieta morrem para gerar a mulher e o homem modernos. Sua estória, possivelmente verídica, foi narrada por Luigi da Porta (1554), Arthur Brooke (1562) e Paynter (1567), antes de ser eternizada na tragédia de W. Shakespeare, em 1597. Mais que uma estória de jovens amantes, trata-se do entrelaçamento da liberdade e do amor, ao qual se rende a hostil Verona do século XIV. Celebrá-los não é só lembrá-los. É proclamar o desafio ético de nossa própria paixão.

"Eu te desafio, ó estrela funesta!"
(Romeu, V, 1)
E convém proclamar esse desafio também na rua. A heterogeneidade de seu público é a mesma daquele encontrado nos pátios das estalagens, para o qual Shakespeare escrevia: estudantes, cortesãos, poetas, viajantes, bêbados, jogadores, prostitutas, vadios, etc. Fluindo naturalmente entre a prosa e a poesia, seu texto se encenava no espaço nu do teatro elizabetano inglês dos séculos XVI e XVII, verdadeiros picadeiros inspirados naqueles pátios. A abertura informal e imprevisível da rua refaz aquela atmosfera na qual explodia a amplitude vital, dramática, dinâmica e pedagógica do teatro shakespeariano.

"Galopai, Galopai, a toda a brida..."
(Julieta, III, 2)
Tal origem sugeriu-nos elementos da cultural popular no cenário e nos adereços, como as espadas de São Jorge, os decalques, o ramo de arruda, o circo e a selecção musical, e introduzir a figura omnisciente do Narrador, regendo a peça com o seu texto inspirado em Guimarães Rosa. Por inspiração da singelez particular do casario do interior, a cal integra visualmente o chão, o carro, a maquiagem, o figurino, e dela desprendem a mesma transcendência e universalidade alcançadas pelo Barroco Mineiro. Além disso, a técnica circense constrói o perigo e a veloz precipitação desta tragédia, ao elaborar em cena a ambivalência da angústia e do prazer, da energia amorosa, da agressão e da paixão, concentrados na força do texto shakespeariano, a virtuosidade exigida do corpo dos actores, equivale à virtuosidade retórica e confere ao texto a pronúncia acrobática e vibrante com que as palavras da clássica tradução de Pennaforte se convertem em acção, para explodir junto à plateia, acrescidas de um sentido não racional, vivo e imprevisto.

"Os amantes não precisam de outra luz para os ritos amorosos que a da própria beleza dos seus corpos!"
(Julieta, III, 2)
Esta "inauguração carnal" da palavra é acompanha pela regeneração da estória desse casal, imprimindo-lhe um sentido não convencional e contextualizado, capaz de revitalizar as verdades shakespearianas e reencontrar, na rua, a origem celebratória colectiva do rito e do espaço teatral: círculo mágico, lugar cerimonial da metamorfose e do poder, onde a vida se concentra e precipita o eterno dentro da fugacidade. A estrutura ininterrupta, caleidoscópia e diversificada do teatro de Shakespeare exige a concepção de um espaço apto a romper-se e a regenerar-se velozmente, com o auxílio da flexibilidade mental estimulada no espectador. Para isso, colaboram o clima lúdico, instável e maneirista, onde predominam inversões, contrastes, ambiguidades, descontinuidades, irregularidades, atonalidades, anacronismos e o nonsense das soluções cénicas. Tais aspectos reeditam a cosmovisão trágica do herói dilacerado do século XVI, desterrado do mundo e obrigado a salvar-se na branca solidão do seu destino de amor e morte. A cal, as cruzes lascadas nas latas enferrujadas e os corpos figurados no chão realizam a morte em vida, rubor ósseo a calcinar o amor na face dos mortais.

"Para mim o desterro é pior que a morte"
(Romeu, III,3)
Nessa privação, o herói encontra a sua infinita liberdade individual e faz da infinitude cósmica sua cúmplice. A exploração dos elementos telúricos e celestes, como o texto do narrador, a música, o círculo do tempo delimitador da área cénica e o tratamento mítico do casal, que o associa aos astros, enfatizam esta cumplicidade redentora. A ancoragem da encenação nesta força cósmica foi obtida nos ensaios abertos realizados em Morro Vermelho (Julho/1992. Aí, quando pela primeira vez a sombrinha desceu em giros, pela mão do Narrador, para ocultar o beijo da cena do casamento, percebeu-se ser o Céu que se curvava sobre a Terra seca, para, com carinho, aliviá-la da poeira acumulada. Nela e em nós também. Montamos Romeu e Julieta para produzirmos essa limpeza e essa renovação.

Carlos Antônio Brandão.

Encenação Gabriel Villela | Textos do Narrador Carlos Antônio Brandão |Figurinos Luciana Buarque |Assistente de Figurino Maria Castilho | Bonecos Aguinaldo Pinho | Cenografia Gabriel Villela |Adereços G. Villela L. Buarque | Pesquisa Musical G. Villela, Galpão | Direcção Musical, Fernando Muzzi | Preparação Vocal Babaya | Aeróbica Júnia Portilho | Esgrima Máqui | Minuetos Musicais Paulo Martins | Cenotécnica "Oficina de Marcenaria" | Programação Visual Lápis Raro | Dramaturgia Carlos Antônio Brandão | Assistente de Direcção Arildo de Barros | Direcção de Produção Gilma Oliveira | Assistente de Produção Sílvia Amélia | Tradução Onestaldo de Pennaforte | Fotografia Miguel Aun | Elenco Antônio Edson, Beto Franco, Chico Pelúcio, Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Júlio César Maciel, Rodolfo Vaz, Teuda Bara, Fernanda Vianna,Lydia Del Picchia | Produção Grupo Galpão

 

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