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Oficina
de Luanda «Em
Luanda, onde se deu a terceira oficina, a guerra é uma presença
concreta. Ainda que pelas ruas da bela capital de Angola não ocorram combates
há anos, a guerra contamina a paisagem. Há sinais inequívocos,
como rolos de arame farpado sobre muros, vistos aqui e ali no centro da cidade,
ou o lixo acumulado pelas ruas, os esgotos avariados, a água empossada
que se torna potencial viveiro de cólera. Tudo compõe o cenário
onde se movimentam três milhões de pessoas, tentando conviver com
o flagelo que há 38 anos martiriza o país, corrompendo-lhe as estruturas,
pulverizando valores. O desenvolvimento da oficina, na sede do Elinga Teatro,
mostrou certo cepticismo e agoniada expectativa dos quais a sociedade está
impregnada. Extremamente reservados nos depoimentos e nas improvisações,
evitando aspectos que tangenciem áreas nebulosas da vida, os actores angolanos
tentavam mostrar-se pragmáticos. Muitas vezes fugiram às improvisações,
recorrendo a cenas já feitas e conhecidas que tivessem alguma relação
com o tema proposto. É como se evitassem o território crítico
e misterioso presidido pela imaginação, expressando-se através
de coisas cristalizadas. Um instrumento de defesa, no final das contas. A guerra
é uma realidade muito próxima do seu quotidiano, exigindo vigilância
permanente. A imaginação conduz a um plano superior da realidade,
cuja contemplação é muitas vezes terrível e assustadora.
Isso não significa, porém, que em nenhum momento os actores
cedessem à memória e, através da memória, à
imaginação. Foram os melhores momentos da oficina, não só
pelo resultado dramático, mas sobretudo porque, nesses momentos, os trabalhos
atingiam sua meta precípua: rompiam as cadeias da realidade objectiva e
propiciava ao actor o ingresso no território onde se encontram todos os
homens do mundo, toda a humanidade - a ficção veiculada pelas linguagens
dramáticas.» (Sebastião Milaré) |