É também motivo de orgulho para a Cena, fazer parte do processo
de nascimento de uma companhia teatral na Guiné-Bissau, país extremamente
carenciado também a este nível, e onde os grupos, mais ou menos
espontâneos, mais ou menos organizados, se vão fazendo e desfazendo
à medida da quase total ausência de condições para
a actividade teatral. Como refere Kowalski à Cena Aberta, levantando também
um pouco o véu a algumas das dificuldades com que se deparam os agentes
culturais neste país, «a Guiné-Bissau, como São Tomé,
é um país que não tem nenhuma estrutura, digamos mais formal,
em termos teatrais. Nem tem nenhum espaço teatral onde se possa trabalhar
de maneira um pouco mais persistente e organizada». Daí a aposta
neste grupo que, em torno de Flora Gomes, se foi apurando e reúne um conjunto
já experiente de jovens talentos «Paralelamente», acrescenta
Kowalski quanto à realidade teatral guineense, «há o grande
problema da falta de espaço para trabalhar. Conseguimos encontrar um parceiro,
uma ONG, a Acção para o Desenvolvimento, que tem um salão
para jovens, com as mínimas condições para trabalhar, para
ensaios, etc.». Encontrar o espaço para fazer crescer este projecto
não significa que tudo corra sobre rodas oleadas. Faz-se, mas «com
poucas condições, porque não é só um problema
de falta de projectores, por exemplo, mas de falta de electricidade, pura e simplesmente».
A Cena, salienta o encenador, está a apoiar a adaptação e
melhoramento do referido salão, a fim de o preparar para a estreia do espectáculo.
Numa primeira fase, em Dezembro, o encenador fez com o grupo guineense uma pequena
oficina teatral, em torno de algumas das cenas de “Nha Fala”. «Um
pouco a apalpar terreno, para ver até onde podíamos ir, o que deu
resultados bastante positivos». Decidiu-se, então, avançar
definitivamente para o espectáculo, tendo sido feito algum trabalho conjunto
entre o grupo, na Guiné, e o encenador, em Portugal, “cortesia”
das novas tecnologias de informação e da internet. Até que,
devido a problemas de definição do tema do espectáculo, tudo
voltou quase à estaca zero, pelo menos no que toca ao texto a adaptar.
Nada que esmorecesse o ânimo dos participantes. A 23 de Março, com
o encenador já novamente na Guiné, começaram duas semanas
de «ensaios intensivos, para ver se a gente agarrava o espectáculo,
se ficava com ideias mais ou menos precisas». Agora estão a trabalhar
sem orientação externa, até Junho/Julho, altura em que regressa
ao terreno o colaborador da Cena, em que permanecerá cerca de duas semanas
a fim de finalizar a estrutura do espectáculo, explicou Kowalski à
Cena Aberta, sublinhando que «a ideia também é essa, de eles
se tornarem independentes, quase que não assumo aqui o papel de encenador
propriamente dito, é mais uma orientação, mas vão
trabalhar pelo menos dois meses sozinhos», de acordo com alguns parâmetros
já estabelecidos. O elenco, de 14 actores, é integralmente guineense,
são jovens actores, e a maior parte já tem um razoável traquejo
em termos cinematográficos. De resto, salienta, «são actores
sem experiência de teatro, embora tenham feito alguns “sketches”
pelo caminho, mas a primeira formação teatral que tiveram na vida
foi o atelier de Dezembro, e o objectivo do atelier era também mostrar,
pegando numa cena, toda a linguagem teatral, desde a adaptação do
texto, ao trabalho de actor, de marcações, todo o aspecto cénico».
Para os Fidalgos, o processo também é de iniciação,
aos rituais do teatro. «No fim de contas é também uma companhia
de teatro que arranca com este projecto, este será o seu primeiro trabalho
como companhia». Para além da Cena, este projecto tem sido apoiado
pela Cooperação Francesa instalada em Bissau.
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