Ana
Magaia «Está
a ser uma experiência gratificante, boa, e está sendo nova. Não
comecei hoje a fazer teatro, não é a primeira vez que faço
teatro em Portugal, ou fora de Moçambique, mas para mim é todos
os dias a primeira vez, daí que me sinta bastante grata e feliz por este
momento. O espectáculo significa que estamos de certa maneira todos na
diáspora, estamos todos de certa maneira no mundo porque forçados
por algumas situações, da vida e das transformações
dos países e da política, todos nós passamos um pouco por
ela, durante este processo de colonização, de há 500 anos
para cá, e com o passar do tempo, as pessoas encontraram-se a viver umas
num sítio, outras no outro, porque quiseram, ou porque foram forçadas,
e criaram mecanismos de defesa, outras maneiras de estar perante a vida, e perante
aquilo são, não são, deixarão de ser, ou pretendem
vir a ser. O respeito pelos outros, pela identidade de quem é quem,
está aqui presente. Encontramos várias Muazizas, vários Dudas,
que estão do outro lado, que também, pelas contingências do
momento tiveram de ficar ou foram obrigados a estar, e nunca em nenhum momento
foram uma coisa nem outra, e têm os seus traumas, os seus dilemas, os seus
momentos de afirmação, o que serve para qualquer outro lugar, outro
lado da vida, e isto funciona para todos os povos». Paulo
Patraquim
«O espectáculo são três ilhas, que se tocam. É
um conflito entre três personagens, que se vai desencadear até ao
final, que será um final brutal, mas dá para antever... Uma coisa
que está sempre presente na relação entre as personagens
é o passado, são passados diferentes, é o passado de uma
personagem que nasceu cá, mas tem memória, uma cor de pele diferente,
a memória de outra personagem que vem de outro sítio para ficar
mas traz ao mesmo tempo outra memória. É muito o confronto de memórias,
de passados, numa perspectiva actual, daí que o texto seja bastante actual.
Há um lado africano, claro, mas se fosse a Bósnia ou a Lituânia,
o confronto seria outro, são outras texturas, outras peles, mas tornar-se-ia
pertinente. Tem a ver com a migração, são pessoas desenraizadas
de vários sítios, por razões várias, trabalho, fugas,
são transportadas para outros países, e a forma como elas se relacionam
com o seu passado, com as suas memórias, e com a realidade concreta do
dia a dia. Há afinidade entre Portugal e Moçambique, claro que há,
mas existem também memórias, heranças, há pessoas
que não as viveram mas ouviram dizer, e esse ouvir dizer também
é muito forte, e há pessoas que nasceram já mergulhadas num
certo tipo de memória, nasceram num berço de memórias, específicas,
que também têm a ver com as colonizações, e não
só, e que vivem em pequenos “guettos” afectivos, familiares
ou culturais, e como é que se rompe isso, como é que se confronta
isso, e penso que o texto fala muito sobre isso. É uma espécie de
duelo constante, para já com elas próprias, com as suas indecisões,
amarguras, e como é que se relacionam com o outro» | |