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cena no café
  • A Dança Contemporânea em Angola
  • Lançamento de TEATRO, de Naum Alves de Souza
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    edições

  • TEATRO, de Naum Alves de Souza
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    Formação
  • Oficina de Biblioteca e Tecnologias da Informação e da Comunicação - S. Tomé
  • Oficina de Biblioteca e Tecnologias da Informação e da Comunicação - Bissau
  • Residência Dramatúrgica de Naum Alves de Souza
  • Oficina de actores sobre a técnica da Máscara
  • Oficina Técnica de Iluminação
  •  
    Espaços Cénicos
  • Missão a Cabo Verde
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    Teatro, de Naum Alves de Souza

    Ciclo Memoralista

     No Natal A Gente Vem Te Buscar (1979)
    No Natal a Gente Vem Te Buscar tem uma história curiosa. Quando escrevi o roteiro e o mostrei a algumas pessoas, ouvi o seguinte: “Poderá interessar a protestantes nascidos no interior de São Paulo.” Não dei ouvidos e prossegui. Graças aos amigos – elenco, figurinista, iluminador, que acreditaram na divisão da minguada porcentagem – montamos, fizemos relativo sucesso em plena e cosmopolita São Paulo. Ganhamos prêmios, belas críticas, quem diria! Daí houve um convite para montá-la no Rio de Janeiro. Daí, disseram: “ É uma peça paulista, que o público carioca não vai entender nem se interessar.” Estavam errados esses profetas, graças a Deus. No Rio a peça foi um enorme sucesso, um ano em cartaz, muitas reportagens, ótimas críticas, prêmios, etc.

    A Aurora da Minha Vida (1981)
    Em seguida, veio A Aurora da Minha Vida , primeiro montada em São Paulo e depois no Rio de Janeiro. O sucesso, nas duas cidades, foi ainda maior. Um ano e meio em cartaz no Rio e outro quase inteiro, viajando pelas capitais do país. Excelentes críticas, grandes espaços nos jornais, mais prêmios.

     

    Um Beijo, Um Abraço, Um Aperto de Mão (1984)
    ...Adaury Dantas, o generoso produtor carioca de A aurora..., um homem apaixonado pelo teatro, quis outra peça e me deixou livre para escrever o que eu quisesse. Ele não sabia que em seu caminho estava a primeira versão de Um beijo, Um abraço, Um Aperto de Mão , escrita sob o impacto da morte recente de meu pai, uma pessoa muito próxima mas, por seu temperamento, muito distante, com o qual eu nunca tive, supunha eu, qualquer afinidade. Com o aumento da idade vi que não é bem assim mas não dá para mais colocá-lo de novo na mesa de jantar, sacudi-lo pelos ombros e dizer: “Pai, agora vamos conversar sobre tudo que nunca falamos.” Apesar de ter tido uma rígida formação católica, meu pai se converteu ao protestantismo presbiteriano ao apaixonar-se por minha mãe e comportou-se a vida toda como um feroz guardião da religião adquirida. Não podíamos freqüentar os bailes do Clube e, aos domingos, além de termos que ir à igreja duas vezes, éramos terminantemente proibidos de ir ao cinema. Sentíamo-nos diferentes do resto do mundo.

     

    Aquele Ano das Marmitas (2002/03)
    Com a pretensão de voltar à linha memorialista e lutar contra a maldição da Trilogia, busquei novamente material no passado interiorano e escrevi Aquele Ano das Marmitas, uma peça que fala dos acontecimentos ou segredos de família que nunca nos foram contados com a devida clareza ou veracidade. São aquelas histórias de que restaram fragmentos confusos em nossas cabeças, tios que não eram bem tios, amantes cujos nomes não pronunciavam em nossas presenças, crimes cometidos sabe Deus por quem, avós loucas, bebês desaparecidos, fotos de gente com olhar estranho, retratos de mortos perpetuados “como se estivessem dormindo”. Quando o querido e grande ator Sérgio Britto me pediu uma peça, após nossa deliciosa convivência em Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro (minha peça favorita), de Eugene O´Neill, meu novo texto deveria ser uma espécie de musical, com canções que marcassem as épocas em que se desenrolava a história. Tomei outro rumo, sobrou pouco espaço para as músicas e nem sei se Sérgio ainda gostaria de produzi-la. Eu gostaria.

     Ilmo. Sr. (2003)
    Minha última peça teatral, completada até a escrita deste texto, foi Ilmo. Sr. , também nascida de um conto, sobre um homem de 60 anos que, diante de problemas familiares, medo da idade e das conseqüências de sua soberba, não sabe como se dirigir a Deus. Como eu. Mas esse homem, não sou eu.

     

    Ciclo Urbano, Peças Longas

     Suburbano Coração (1988)
    Graças ao enorme êxito de crítica e público de Dona Doida, Fernanda Montenegro encomendou-me um novo texto, uma comédia com música de Chico Buarque. Escrevi então, para essa grande atriz, Suburbano Coração. Chico compôs belas canções e ficamos quase um ano em cartaz no Rio de Janeiro. Quando nos preparávamos para estrear em São Paulo, fomos “assaltados” pelo famigerado Plano Collor que congelou as contas bancárias e ficamos a ver navios. O jeito foi remontar Dona Doida e viajar. O poderoso texto de Adélia Prado, somado à minha direção e à interpretação ímpar de Fernanda, nos sustentou com dignidade durante aquele difícil, tenebroso e mal explicado período da história brasileira. Dona Doida e o show de Chico Buarque me deixaram acomodado, preguiçoso, ganhando bem e criando quase nada.

    Água com Açúcar (1991/2004)
    Só em 1995 voltei a me atrever a escrever, cheio de medo de encarar o público e a crítica com minhas próprias palavras. Nasceu nessa época umas das peças menos conhecidas mas para mim muito especial – Água com Açúcar. Baseada num fato que aconteceu na rua onde moro – um adolescente “voou” da janela de um apartamento muito alto. Escutei naturalmente tudo o que a vizinhança falou a respeito e aquela coisa não me saía da cabeça. Água com Açúcar é um monólogo triste, sombrio – uma mãe, que perdeu um filho que se drogava e jogou-se de uma janela, conta histórias a um berço vazio. Mostrei-o a várias atrizes e todas recusaram, achando-o triste demais. Insistente, ansioso para retornar ao palco teatral, voltei às origens, montando a peça quase sem dinheiro, com a boa vontade da atriz Isa Kopelman, dos músicos Teresa Moranduzzo e Silvio Piesco, da figurinista Miko Hashimoto, do iluminador Wagner Freire e de meus bons amigos Guga Pacheco, Breno Mattos e Paulo César Lima. Pouquíssimo público. Tudo mal mas tudo bem, eu havia voltado ao texto. Um único crítico, alguém com muito amor ao teatro, viu essa peça: Alberto Guzik.

    Strippers (1997)
    Mais ou menos nessa época, escrevi, a pedido do jornalista e editor Miguel de Almeida, um conto de Natal a que chamei Strippers. Estava-se elaborando uma antologia de contistas brasileiros que escreveriam ou já teriam escrito sobre esse tema. Assim, foram reunidos textos de Machado de Assis a Rubem Fonseca num volume batizado de Contos de um Natal Brasileiro que, depois, publicado em Paris, foi traduzido para Un Noel Brésilien. Escrevi sobre os teatros de revista, o bas-fond da capital paulistana - um elenco composto de strippers femininos e masculinos, com toques de prostituição, artistas ultra decadentes, que se insurgem contra a venda de seu teatro para uma poderosa igreja evangélica comandada por um bispo obviamente desonesto, que já havia transformado a maioria dos cinemas da região central da cidade em templos...

    Um Ato de Natal (1996/2004)
    Um Ato de Natal foi uma peça escrita para o Teatro Popular do Sesi de São Paulo, para ser encenada no mês de dezembro de 1993. Teve uma carreira de dois meses, com um ótimo elenco, agradou o público mas desagradou àqueles que fizeram a encomenda. Acharam-se criticados mas, se o fiz, não foi intencionalmente pois não conhecia o alto comando da entidade. Apesar das pressões, nada foi alterado e o texto foi ao palco exatamente da forma que o concebi.
    Conhecemos, além dos autos tradicionais da religião cristã, belos textos como O Boi e o Burro no Caminho de Belém, de Maria Clara Machado, O Natal na Praça, de Henri Ghéon ou as várias adaptações de O Velho Scrooge, de Charles Dickens.
    Na tradição popular brasileira, possivelmente herdados dos portugueses, ainda existem, mantidos no interior do país e transmitidos oralmente, belos e comoventes pastoris e folias, cheios de música, letras ingênuas, algumas incluídas neste Um Ato de Natal.
    Todas as obras de arte baseadas na religião têm em comum a influência de culturas ou a presença de personagens contemporâneos às épocas em que foram criadas. Michel de Ghelderode escreveu uma peça para bonecos denominada, se não me engano, Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, em que Judas e sua mulher tomam muita cerveja, ficam bêbados, etc.
    Um Ato de Natal, cuja ação acontece nos dias de hoje nas imediações da Avenida Paulista, a mais importante e rica de São Paulo, a maior cidade da América do Sul, usa estruturalmente o relato bíblico contido nos evangelhos: o nascimento anunciado do Messias, as preocupações de Herodes, a Visitação dos Reis Magos e das pessoas do povo. Os diálogos são simples, às vezes irônicos ou ligeiramente críticos, próprios para uma encenação de cores vivas e fantasiosas.

    Ódio a Mozart (1991/2004)
    Os políticos, pelo menos os brasileiros, têm obsessão por uma coisa chamada CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito. Um escândalo, em geral financeiro, (tanto pode ser o desvio de uma verba de milhões, bilhões quanto o superfaturamento de uma hidroelétrica, por exemplo) é descoberto, denunciado, saem grandes manchetes na imprensa. O governo cria então, uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar o que aconteceu e “punir” (coisa que nunca acontece) os envolvidos.
    A peça Ódio a Mozart, fantasia pesada, de pouca sutileza, usa outra sigla, chula: PPC – Pega Pra Capar. Não conheço a origem desse termo mas imagino que foi criado para o ato da castração de animais, porcos, talvez, que tentam fugir a todo o custo de seu cruel destino.
    Ódio a Mozart parece um julgamento judicial. Ninguém é confiável, todos são extremamente perigosos. Instituído o PPC, vivos e mortos são convocados para depor, contra, é claro, duas figuras que são apenas mencionadas e nunca aparecem na peça: Colery Mórbia e Divina Vibrião, musicistas que nunca tocaram mas tiveram a segurança do emprego público, conseguido graças a poderosos padrinhos. Pintaram e bordaram, arruinaram vidas e carreiras. Vivos e mortos foram convocados por Medusa Tipiti, a temível Secretária da Cultura, policial de alta patente que pretende vingar-se da dupla que muito mal fez a seu falecido pai, pessoa também execrável.

    Ciclo Urbano, Peças Curtas

    A Tia é Muito Esquisita (2003) e Domingo Feliz no Calçadão (2003)

    Utilizando contos publicados no jornal, escrevi duas peças curtas para servirem como exercícios para alunos de cursos de interpretação: A Tia é Muito Esquisita (nascido da observação de uma família punk que um dia andava pela cidade) e Domingo Feliz no Calçadão (baseado num rapaz que anda pelo bairro onde moro, que parece não fazer diferença entre felicidade e infelicidade).

    Uma Vida na Visão de um Ficcionista

    Nijinsky (1986)
    Um artista brasileiro, J.C. Violla, rara soma de ator e bailarino, serviu de inspiração para a escrita de Nijinsky. Depois de ter atuado em minhas peças No Natal a Gente Vem te Buscar, A Aurora da Minha Vida e Um Beijo, Um Abraço, Um Aperto de Mão, achei que era a hora de escrever para ele algo onde pudesse usar a palavra e a dança.
    Depois de pesquisar uns quinze livros sobre Nijinsky e seus contemporâneos, comecei a escrever o texto. Escrita a primeira versão, partimos para a escolha do elenco e da equipe.
    Para as coreografias, chamamos Célia Gouvêa, uma artista, bailarina e coreógrafa, com quem já havíamos trabalhado numa releitura de Petruchka, de Stravinsky, realizada anos antes. Ela não só reconstituiu trechos dos balés de Petipa, Nijinsky, como criou seqüências originais pedidas pela peça teatral.
    Na parte musical, contamos com Hélio Ziskind e Paulo Tatit que compuseram uma trilha sonora primorosa.
    Este texto, embora baseado em fatos, não é uma biografia fiel pois os diálogos entre os personagens foram basicamente escritos por mim. Alguma coisa saiu dos diários de Nijinsky ou das biografias ou memórias de Diaghileff, Stravinsky, Isadora Duncan, Karsavina e outros que falaram ou escreveram sobre o genial bailarino e coreógrafo.

     

    Excertos do Prefácio de Alberto Guzik:

    (...) Naum Alves de Souza enveredou nos últimos anos por um caminho que se aproxima cada vez mais do que poderíamos considerar crônicas teatralizadas. Em peças como Ilmo. Senhor, A Tia é Muito Esquisita e Domingo Feliz no Calçadão, apresenta flagrantes da vida urbana, retratos de figuras anônimas, perdidas nas entranhas da grande cidade. Os diálogos fluentes desenham com precisão contornos e limites desses personagens. Perversidade, inveja, impulso para o crime, tudo isso aflora em pessoas “comuns”, em gente como a gente. Nessas peças breves, compostas por uma ou algumas cenas, são traçados perfis incisivos e cruéis. (...)

    A observação cruel da realidade, que transpôs para a cena com traços exagerados e diálogos corriqueiros, mais que nunca coloquiais, emprestou a esse conjunto de recentes peças, escritas todas no início do século XXI, um ar de caricaturas, de bufonarias ameaçadoras. (...)

    No entanto, ao contrário do que ocorre na obra de Brecht, não há nessa peça de Naum, como também não há no seu teatro em geral, nenhuma esperança, nenhum otimismo. O artista é cético quanto ao destino da humanidade. Sua ironia e seu desencanto saltam a cada frase. Mas é visível também seu compadecimento. Ele olha a condição humana, apesar de tudo, com ternura, e se apieda do homem. Porém, não alimenta ilusões. Retrata um homem fadado à miséria. Se alguma redenção há para suas figuras, está no duro caminho do autoconhecimento. (...)

    Dos anos 60 até hoje, o artista construiu uma carreira sólida, prolífica. Testemunhou a passagem do teatro engajado, de resistência, nos anos 60/70, ao teatro de autor dos anos 80. Enquanto as artes cênicas no Brasil caminhavam dos modelos políticos de encenação ao predomínio do diretor totalitário, que tomava para si a invenção do todo do espetáculo, Naum Alves de Souza nunca saiu de seu caminho nem cedeu aos modismos. Propagou uma dramaturgia atraente, engraçada e dramática, que põe em foco problemas pequenos de gente comum, anônima. Foi pioneiro da tendência que se firmou nos anos 80, de dramaturgos dirigirem os próprios textos, postura atraiu gente do peso de Mauro Rasi. (...)

    Com estilo inconfundível, que se manifesta em tudo que faz, dos traços dos desenhos às frases das peças, Naum Alves de Souza conquistou para si um espaço expressivo na história contemporânea do teatro brasileiro. Levou para o palco seres pequenos, aparentemente desimportantes. Não são figuras que se destacam por obsessões e taras, como as de Nelson Rodrigues, nem personagens de sagas históricas, como as de Jorge Andrade, para citar dois dramaturgos superlativos que inspiraram muitos escritores da geração Naum. Não são nem mesmo marginais, como os de Plínio Marcos, ou intelectuais derrotados, como os de Consuelo de Castro, para mencionar outra dupla relevante de autores, esta formada por contemporâneos de Naum. As gentes que povoam A Aurora da Minha Vida, No Natal a Gente Vem te Buscar, Strippers, Suburbano Coração, Aquele Ano das Marmitas, são normais, desprovidas de qualquer traço heróico ou incomum. Quem entra em cena são pessoas como nós, como todo o mundo. Não por outra razão o desvendamento de suas fraquezas, egoísmos, imensas mesquinharias, hipocrisia, ganha tal dimensão nas páginas desse dramaturgo e atinge-nos com tanta força.

    Talvez, em todas as suas atividades, Naum Alves de Souza nunca tenha perdido o impulso que o levou para a primeira delas, o magistério. Tanto em seus desenhos, quanto nos cenários, nos balés e, principalmente, na dramaturgia, está vivo o ímpeto de fazer pensar, de mostrar processos, de ensinar alguma coisa. Como todo bom professor, ele não é maçante nem aborrecidamente didático. Sabe usar humor e pathos na medida certa para atingir seus resultados. Apresenta as deformações causadas por distorcidas relações humanas através da ação, não de discursos. Aponta os efeitos disso tudo na existência dos seres que povoam sua ficção. E as constantes remontagens de seus textos lhes dão, com o passar dos anos, o estatuto de jovens clássicos contemporâneos, que veiculam visões de mundo que não valeram apenas no momento em que foram escritas. O prazo de validade dessas criações não se esgotou ainda. E, por retratarem a condição humana de forma aberta, perplexa, sensível, com certeza vão permanecer muito vivas pelas próximas décadas. E o próprio Naum, artista incansável e sempre irrequieto, ainda tem um longo caminho de criação pela frente. Há de ser muito interessante ver de que modo ele dará conta dos desafios que estão sendo propostos aos artistas por este novo século.



     

     

     

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