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SALVESAVE Eu revolto-me com os perfeitos da sociedade e solidarizo-me com os outros... com os fisicamente defeituosos, os perturbados, os instáveis, os que tremem com medo, os que são traídos pelo seu próprio corpo... São esses o verdadeiro potencial artístico, aqueles que a sociedade piedosamente recusa, renega e exclui. Eu crio para aliviar o desajuste que sinto em relação à sociedade, à sociedade organizada, à sociedade urbana e consumista, à sociedade com poderes destrutivos e humilhantes, à sociedade impiedosa e assassina. Crio para não me suicidar por sentir que há homens e mulheres que se suicidam sem perceber que criando não o fariam... Liberdade e evolução da espécie humana, em perfeito equilíbrio com a natureza... Voltar ao continente mãe, de noite... No avião, num lugar junto à janela, sobre a asa, vejo o reflexo do luar... Vejo a fusão de azuis e cinzentos ...e vejo a lua! Ter o privilégio de voltar a África numa viagem nocturna. Voltar àquele que mais marca as minhas recordações de infância... O céu! As estrelas... o céu... as estrelas... as estrelas... a lua ...a mãe lua... Azul intenso... azul mais claro, esbranquiçado por baixo... cortado pela gigantesca asa metálica do avião. Do avião em que eu sigo neste dia dezoito de Junho de 2000. O retorno vinte e quatro anos depois de ter saído de Moçambique, da África coração, do coração de África. Um ar muito mais denso, húmido, cheio, rico, ar-húmus... Limpo Viagem de pesquisa a Moçambique com uma equipa perfeita: Velez e Fernanda Ramos. Em Maputo a solidariedade do artista Victor Silva, o apoio do adido cultural da Embaixada de Portugal em Moçambique e da sua equipa, as palavras de Mia Couto, os olhares de Marcelo Mosse, a poesia de Lina Magaia, as atenções de Lucinda Gomes... A estadia no Motel Bilene graças ao apoio da simpática Dª Zina, a prestabilidade ávida de soluções da população da Aldeia da Barragem em Macarretane, onde as linhas férreas sem suporte da Linha do Limpopo se suspendem torcidas no vazio, a vista da cidade do Chókwè da torre do Carmelo, os testemunhos doridos de Christian Horta e do Senhor Chikwave, a dedicação do irmão Licínio... E sobretudo os sorrisos abertos das crianças. Os sorrisos das crianças, a força das mulheres e a beleza dos homens, num país em que a coragem não se perde e as desgraças se exorcizam rindo. Ao povo moçambicano e pelo povo moçambicano, SALVESAVE.
Luís Castro |