ABERTURA
António Augusto Barros
Por altura da criação formal da CPLP (Comunidade de Países
de Língua Portuguesa), em 1996, um grupo de pessoas do teatro português – encenadores,
actores, cenógrafos, técnicos e teóricos de teatro – aceitou
o desafio e organizou um programa de intercâmbio que apontava já a
prioridade do contacto cultural como condição básica
para a existência e o interesse de uma comunidade desta natureza.
A CPLP incluía, nesta altura o Brasil, Moçambique, Angola,
Cabo Verde, Guiné – Bissau, S. Tomé e Príncipe
e Portugal, tendo acolhido em 2002, o mais novo país do mundo de
então, Timor.
Em sete anos de trabalho continuado e regular, a Cena Lusófona,
assim se chamou o programa sediado em Coimbra, conseguiu organizar festivais,
estágios formativos, encontros com agentes teatrais de todos os
países, publicar, compilar informações num centro
de documentação próprio, produzir, pela primeira vez,
um conjunto de espectáculos em co-produção, romper
fronteiras e isolamentos, estimular afinidades artísticas que levaram à realização
conjunta de iniciativas, afinal o cimento para a construção
do que poderá ser uma comunidade.
Infelizmente a organização formal desta comunidade – a
CPLP enquanto estrutura – não conseguiu ainda acompanhar ou
compreender este esforço e o de outros no campo cultural nem integrar
a exigência, a urgência e a prioridade deste tipo de acções.
As instituições galegas, por nós contactadas, mostraram-se
disponíveis e interessadas em acompanhar este programa e em alargar
os circuitos de passagem dos vários projectos à Galiza, criando,
simultaneamente, espaço para a participação de projectos
teatrais galegos neste movimento de intercâmbio.
A primeira proposta que fizemos foi a de editar um número especial
da revista Setepalcos que servisse como uma espécie de cartão
de apresentação do teatro galego para toda esta comunidade – a
CPLP.
A partir daqui todos os agentes teatrais em qualquer ponto desta galáxia
de língua portuguesa podem ter acesso a um conjunto de informações
contextuais e actualizadas sobre o teatro galego – os nomes, as ideias,
tudo aquilo que a documentação pode deixar entrever das práticas
de cada um.
Trata-se de uma primeira chave, uma espécie de índice comentado,
permitindo a entrada numa realidade que, ao mesmo tempo, nos tem estado
vedada, mas estranhamente entranhada em tudo o que somos hoje – desde
a raiz coeva da língua a todo o imaginário colectivo vindo
dos longínquos medievais.
A Galiza é, naturalmente, a placa giratória entre três
mundos – o da língua portuguesa, o da língua castelhana
e toda a restante Europa.
Território materno de língua e cultura, a Galiza foi também
ao longo dos tempos um território de troca entre a Ibéria
e a restante Europa e pode potenciar hoje essa posição acrescentando
o mundo dos falantes lusófonos ao restante mundo ibero-americano.
A reaproximação cultural será sempre para galegos
e portugueses, independentemente das conjunturas políticas, um imperativo
histórico e identitário e um impulso natural que devemos
acelerar em todos os sentidos culturais. Para além da questão
linguística, que tanto nos une como desune, faltará sempre
cumprir uma longa jornada de (re) conhecimento mútuo e de investimento
intercultural, capaz de recuperar séculos de “amnésia” histórica
que criaram barreiras e distâncias relativas, forçadas, no
terreno da convivência.
Não tenho dúvida do enriquecimento mútuo que tal fenómeno
provocará. A língua só não basta, portanto,
mas é um privilégio possuir tal passaporte directo ao coração
do entendimento.
Penso que a língua será um factor vital (quase diria fatal)
dessa reaproximação e que será, por seu lado, inevitavelmente
influenciadora e influenciada por esse movimento.
O resultado final disso interessa e não interessa. Fazer esse caminho
de reaproximação é o mais importante. Tal como no
teatro e na arte em geral, interessam sempre mais os meios do que os fins.
O imaginário lusófono tornou-se, definitivamente, o da pluralidade
e da diferença e é através desta evidência que nos
cabe, ou nos cumpre, descobrir a comunidade e a confraternidade inerentes a
um espaço cultural fragmentado, cuja unidade utópica, no sentido
de partilha em comum, só pode existir pelo conhecimento cada vez mais
sério e profundo, assumido como tal, dessa pluralidade e dessa diferença.
(Eduardo Lourenço, Errância e busca num imaginário lusófono)
Acreditamos, com Eduardo Lourenço, que só o conhecimento profundo
das várias culturas pelos cidadãos de cada um dos países
pode fazer comunidade, “no sentido de partilha em comum”.
Como homem de teatro interessa-me o aprofundamento dos laços linguísticos,
teatrais e culturais. O Teatro concretiza a curiosidade perante as diferenças
e as específicas virtualidades expressivas e é, por isso, um
campo vivificador do diálogo cultural. Estou certo, no entanto, de que
este é apenas um momento e que o alastramento rápido desse interesse
mútuo, cultural e social, será inevitável nos próximos
tempos.
Por último queria deixar expresso o agradecimento da Setepalcos às
coordenadoras deste número, que o idealizaram connosco e o concretizaram – as
professoras Inma López Silva e Dolores Vilavedra, ao IGAEM, através
de Aníbal Otero, que o co-produziu connosco, e aos contributos pessoais
e criativos de Manoel Guede Oliva e Rui Madeira, que, de facto, o fizeram
nascer.
António Augusto Barros
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